Aspectos Sociais da Violência Sexual: a culpabilização da vítima e das mulheres

Maria Estela faz parte do Comitê Estadual de Mato Grosso do Sul e é envolvida com pesquisas coletivas desde 2009. Na I Oficina Cearense sobre Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ela compartilhou resultados obtidos de uma dessas pesquisas, que deram origem ao livro Infâncias Escoadas, um estudo sobre como as condições do setor sucroalcooleiro nas fronteiras Brasil-Paraguai e Brasil-Bolívia e na BR-163 impactam na exploração sexual de crianças e adolescentes.

Maria Estela Márcia Rondina Scandola - Membro do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
Maria Estela Márcia Rondina Scandola - Membro do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes


Maria Estela enfatizou que, ao contrário do que se imagina, as fronteiras não são os locais onde a exploração sexual mais acontece e tampouco os caminhoneiros são os maiores responsáveis pela prática. Segundo ela, a explicação para os casos que ocorrem nos entornos das BRs é a falta de escolas de qualidade, lazer e acesso à cultura para os adolescentes, nas pequenas cidades. As BRs tornam-se, então, espaço de diversão e fuga da realidade.


As pesquisas que Maria Estela desenvolveu revelam uma realidade tenebrosa: uma grande parte dos profissionais de garantia de direitos considera que a culpa da exploração sexual é do menino ou da menina. Essa representação somada à culpabilização da mãe da vítima é a segunda resposta mais frequente das pesquisas. "A história da mãe é repleta de discursos na rede de garantia de direitos", afirma. E quando a figura da mãe não aparece como culpada nas respostas, uma outra figura feminina é citada: as prostitutas.


A exploração sexual ganhou outro território, a internet, com outras configurações de relação e formas de aliciamento. Mas a palestrante reforça que o primeiro convite surge, quase sempre, de alguém de confiança, como um(a) colega que já trabalha no mercado sexual. A iniciação dos jovens na exploração sexual, portanto, começa com a oferta de bens e serviços não oferecidos na comunidade – como viagens, jantares, tratamentos de beleza e dinheiro. Mas a culpabilização das mulheres é resposta fácil para "resolver" o problema. "Nós não pensamos sobre a essência da exploração sexual", alerta a professora.


Então, por que existe a culpabilização das mulheres e de meninas e meninos na exploração sexual? Para a pesquisadora, um dos motivos é que o movimento em defesa da criança e do adolescente fechou-se em si mesmo, sem dialogar com outros movimentos de garantia de direitos, como o feminismo, movimento negro e LGBT. E, ainda, os profissionais que dele participam acreditam que, ao atuar no movimento da criança, é possível agir nas causas geradoras de violência contra a criança. Mas essas causas, muitas vezes, estão relacionadas à deficiência dos direitos defendidos por outros movimentos. "Crianças pobres têm muito menos direitos assegurados que crianças de classe média ou alta", exemplifica. Maria Estela também elenca o machismo como causa de discriminação contra as crianças, pois "a desigualdade se perpetua por meio de relações machistas, heterossexistas, racistas e etnocistas".

A pesquisadora encerrou a participação chamando a atenção para a necessidade de o movimento da infância ser militante dos direitos humanos, ou seja, participar de todos os movimentos. Para ele, esta seria a única maneira de evitar a culpabilização de mulheres e vítimas. Para tanto, cada defensor dos direitos da criança deve se perguntar: "onde mora o meu preconceito?".

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