Projeto de Lei ameaça vagas de aprendizes no Brasil

Para especialistas, contagem em dobro da contratação de jovens em situação de vulnerabilidade social tem viés discriminatório

A criação do Estatuto do Aprendiz (Projeto de Lei 6461/19) pode trazer retrocessos para a Lei da Aprendizagem, entre eles a redução de vagas para aprendizagem profissional e o aumento dos casos de trabalho precoce no Brasil. O alerta vem do Ministério Público do Trabalho (MPT) e entidades da rede de proteção à infância no país. O PL estabelece condições sobre contratos de trabalho, cotas para contratação, formação profissional e direitos dos aprendizes. Se aprovado pelos deputados federais, em votação, o projeto seguirá para o Senado.

Em audiência pública da comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a criação do Estatuto do Aprendiz, o procurador do MPT e coordenador da Rede Peteca, Antonio de Oliveira criticou dispositivos do PL. Ele considerou um "retrocesso" a possibilidade de empresas não precisarem recrutar novos jovens por um ano caso contratem um aprendiz para uma vaga efetiva.

Outro ponto alvo de críticas foi a contagem em dobro de jovens com deficiência e/ou em situação de vulnerabilidade socioeconômica, incluída no artigo 25. O dispositivo prevê que um único aprendiz com o perfil mencionado ocupe duas vagas de cota nas empresas. "É como se a pessoa pobre fosse um peso e, pela contratação, a empresa merecesse o benefício de reduzir a cota pela metade", destacou o procurador.

O procurador considera o artigo 25 como o "maior de todos os prejuízos" incluídos no Projeto de Lei. "Apesar de inicialmente parecer um incentivo à contratação de jovens em situação de vulnerabilidade, (o artigo) não contribui em nada para o objetivo do Estatuto do Aprendiz", enfatizou Antonio Lima. "Esse incentivo precisa ser de outra forma, não com redução de vagas", pontuou ao destacar que o artigo pode representar a redução de 170 mil vagas de aprendizes no Brasil.

Demais presentes na audiência se posicionaram a favor da remoção dos artigos criticados, como Cleto de Assis, presidente da Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (Mudes). "A contagem em dobro da contratação de jovens em situação de vulnerabilidade social não atende ao princípio da proporcionalidade e inclui viés discriminatório, como se a admissão desses jovens constituísse para o empregador ônus ou encargo adicional quando comparado à contratação de outros jovens", disse ele.

APRENDIZAGEM

O número de contratações de aprendizes — jovens que trabalham e recebem capacitação na área profissional em que atuam — no país está abaixo do estipulado. A Lei da Aprendizagem estabelece que as empresas de médio e grandes portes devem contratar aprendizes em percentual correspondente a 5% no mínimo (até 15% no máximo) do número de empregados que ocupam funções que demandam formação profissional. Conforme dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o número de jovens aprendizes no Brasil era de 372.706 em 2020, uma queda de 21,7% em relação ao ano anterior. O total não chega à metade da cota mínima de aprendizes do país prevista pelo Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), que é de 916 mil.

O presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Diego Alves, enfatizou possíveis retrocessos na lei que podem provocar o aumento do trabalho infantil no Brasil. "A aprendizagem é uma situação especial, um trabalho protegido, orientado, que garante a continuidade do direito à educação e que permite uma transição segura para o mundo do trabalho", destacou.

 

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