Rede Peteca promove seminário com o tema “Trabalho Escravo e Conexões com o Trabalho Infantil”

A iniciativa é alusiva ao Dia de Combate ao Trabalho Escravo, relembrado em 28 de janeiro

No dia 29 de janeiro, a Rede Peteca realizou o evento virtual “3º Seminário sobre Trabalho Escravo e Conexões com o Trabalho Infantil”. A mediação ficou a cargo do procurador do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE) e coordenador da Rede, Antonio de Oliveira Lima.

A primeira convidada foi a adolescente Maria Eloísa (Assaré/CE), a qual representou as crianças, adolescentes e jovens que são prioridade da instituição. Ela discorreu sobre o elevado índice de crianças que realizam trabalhos análogos ao escravo e estão sujeitas aos perigos e prejuízos causados pela atividade ilegal. “Isso pode atrapalhar no desenvolvimento educacional e no aprendizado, fazendo com que elas tenham muita dificuldade no futuro em questões escolares”, disse.

A outra participante foi a procuradora-chefe do MPT-CE, Georgia Aragão. Ela agradeceu o convite para se apresentar na live e destacou a importância do evento realizado pela Rede Peteca. “É uma enorme satisfação estar participando do 3º seminário ‘Trabalho Escravo e suas Conexões com o Trabalho Infantil’, tema de extrema relevância, considerando que muitas crianças e adolescentes estão submetidas a condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva e outras piores formas de trabalho infantil. A atuação integrada entre os diversos órgãos que atuam na temática é essencial na luta pela erradicação do trabalho infantil e trabalho escravo no nosso país”, afirmou.

A procuradora do Trabalho Ana Gabriela, representante da Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho (ANPT), falou sobre as desigualdades sociais que forjam o trabalho infantil, o que traz diversos riscos às crianças e aos adolescentes, e ainda enfatizou que “pais submetidos a condições análogas a escravos possuem menos condições de proporcionar aos filhos a educação e oportunidade perpetuando, assim, um ciclo de pobreza e de trabalho infantil”.

Marinalva Dantas, representando o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), participou na sequência. A auditora fiscal do Trabalho afirmou que atua contra o trabalho escravo há 29 anos. Em 1996, assumiu uma das seis primeiras coordenações do grupo móvel por já ter tido experiência no combate ao trabalho infantil. “Nós éramos cinco mulheres coordenando esses grupos de resgate e um homem, que também tinha uma vice mulher”, descreveu.

Ela conta que, durante sua missão no combate ao trabalho escravo, passou por lugares perigosos, mas enfrentou os obstáculos com ferocidade. “Se fossem todos homens acho que não teria acabado tudo bem, mas nós temos aquela fala feminina, mansa, mas firme, e a gente conseguiu contornar todas as provocações que certamente os homens não aguentariam”, pontuou.

O quinto convidado foi Ronaldo Callado, juiz do Trabalho e secretário-geral da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA). O juiz do Trabalho apresentou dados de 2023 sobre resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão. Segundo Callado, foram resgatados 3190 indivíduos, maior número desde o ano de 2009. “Os dados do último ano confirmam a tradição brasileira da escravização de trabalhadores e trabalhadoras em maior número nas atividades agrícolas”, relatou.

O secretário-geral da ANAMATRA também apontou as semelhanças nos casos de resgate. “Os casos se assemelham, pois há retenção de salários por endividamento dos trabalhadores com as despesas de viagem e equipamentos de proteção e gêneros de primeira necessidade, falta de higiene e de segurança nos locais de trabalho, ausência de alojamentos, falta de água potável e alimentação”, citou.

Ronaldo Callado conta que o Poder Judiciário é um dos principais atores contra o trabalho escravo pois, além de reparar os danos às vítimas e punir os responsáveis, atua na conscientização da sociedade no combate a essa atividade ilegal e desumana.

Na sequência, Andrea Oliveira, auditora fiscal do Trabalho e representante da Coordenação Nacional de Fiscalização do Trabalho Infantil (CONAETI), citou o trabalho infantil como uma das portas de entrada para o início do ciclo que integra o trabalho escravo originando, assim, falta de perspectiva futura na vida das crianças e jovens. A auditora fiscal do Trabalho afirmou ser mais comum o resgate de mulheres que atuam como domésticas, pois “começaram a trabalhar quando ainda eram crianças, normalmente apartadas de seus familiares e de qualquer convívio social”.

Andrea Oliveira relata que tanto o poder público quanto a sociedade civil devem se mobilizar no combate ao trabalho escravo. “Nesse sentido, a construção de políticas públicas que possibilitem uma atuação coordenada entre todos os atores da rede envolvidos é essencial, assim como momentos como este”, finalizou.

No seu momento de fala, o adolescente Walison Gomes (Assaré/CE) citou como identificar ocorrências de trabalho infantil. “Situações em que se evidenciam violência psicológica, alimentação precária e a falta de assistência médica podem indicar a existência de trabalho infantil. Marcas de agressão física e mudanças na personalidade também são pontos para se atentar”, apontou.

Em seguida, teve a participação da procuradora do Trabalho e coordenadora nacional da Coordinfancia (Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes), Luísa Carvalho. Ela fez um panorama sobre as legislações brasileiras que estipulam a idade mínima para o início do trabalho e mencionou que crianças e jovens são sujeitos de direito e merecem protagonismo. “Nós estamos discutindo sobre trabalho infantil e temos que fazer isso juntos com as crianças e adolescentes”, enfatizou.

A procuradora do Trabalho também esclareceu que, no Brasil, os adolescentes e jovens podem trabalhar a partir dos 16 anos de idade e desde que, até os 18 anos, esse trabalho não seja perigoso ou traga prejuízos à saúde, nem ocorra à noite. “Antes dessa idade a única forma de trabalho permitida é a de aprendiz”, reforçou. 

Dando sequência às discussões, houve a participação do procurador do Trabalho Luciano Aragão que tratou sobre a atuação do MPT no combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil. Ele destacou a eficiência da fiscalização dos auditores ficais e do Ministério Público do Trabalho em conjunto com outros órgãos federais. “O nosso papel além de fiscalizar [..] deve ser necessariamente buscar erradicar, buscar que esses números diminuam, mas que não diminuam por falta de fiscalização”, afirmou.

Durante a live, foi exibido o trailer do filme “Servidão”, do diretor Renato Barbieri, que aborda, por meio de histórias e depoimentos, as marcas deixadas pela escravidão as quais permeiam até hoje a nossa sociedade, principalmente nas relações de trabalho.

Empós, a fala foi concedida aos auditores ficais do Trabalho Daniel Arêa, do Ceará, e Marinalva Dantas, do Rio Grande do Norte, para um bate-papo sobre as experiências no combate aos trabalhos escravo e infantil. Daniel Arêa destacou a importância da empatia no trabalho de resgate, demonstrando que os auditores fiscais atuam para garantir a dignidade dos trabalhadores. Ele mencionou que, no Ceará, os setores de extração da carnaúba e da construção civil são os que mais possuem problemas, com trabalhadores oriundos de municípios pobres do próprio estado ou de outras localidades. Os dois auditores comentaram diversos casos de exploração, características, consequências e resoluções.

A próxima participante da live foi a adolescente Regina Estela (Forquilha/CE), que é mobilizadora voluntária da Rede Peteca e membra do Comitê Nacional de Adolescentes pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Conapeti). Ela compartilhou experiências de pessoas que vivenciaram o trabalho escravo infantil e os prejuízos sofridos. A jovem comentou que a maior parte dos trabalhadores escravizados são pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social. Também citou o fato de que o maior número de casos de crianças e adolescentes encontrados em situação de trabalho análogo ao escravo ocorre na zona rural e no ambiente doméstico. Por fim, destacou que as entidades e a sociedade civil devem se sensibilizar mais em favor dos meninos e das meninas e se mobilizar para pôr fim ao trabalho infantil e escravo.

O procurador do Trabalho Antonio Lima conversou com a escritora Anna Luiza Calixto. Ela falou que o trabalho escravo ainda é romantizado pela sociedade e isso ocorre para aliviar os danos permanentes desse tipo de trabalho forçado. “Trabalho dignifica quando é executado em condições humanas, quando não prejudica o desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente, quando ele não rompe com o ciclo da família numa busca de fato pela ascensão social”, declarou.

Em seguida, houve a participação de Daniel Formiga, secretário adjunto de Direitos Humanos do estado do Maranhão e integrante da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE). Daniel Formiga falou sobre as iniciativas contra o trabalho escravo que estão sendo executadas no Maranhão e que poderiam servir de modelo para outros estados. Ele detalhou que a modalidade de trabalho escravo mais encontrada no Maranhão é o realizado em condições degradantes, que põem em risco a integridade dos trabalhadores.

Também falou sobre o plano estadual para erradicação do trabalho escravo no Maranhão, que tem como uma das linhas de ação o programa de proteção às vítimas de ameaças. “Nós temos políticas que são acionadas, tanto de forma imediata, naquele momento pós resgate, ou seja, aquele atendimento mais urgente que é destinado ao trabalhador, como políticas de assistência, de emissão de documentos e atendimento de saúde”, disse.

O próximo convidado foi Jalmi Teles, secretário-executivo da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo do Ceará (Coetrae). Teles falou sobre a retomada do trabalho da COETRAE no ano de 2023, com foco nos municípios do estado com maior incidência de casos de trabalho análogo à escravidão. Ele destacou que, a partir do primeiro caso de denúncia de trabalho escravo doméstico, surgiram outros, indicando a importância das denúncias e dos esclarecimentos prestados aos resgatados.

Dando continuidade, o procurador do Trabalho Antonio Lima lançou como desafio para o próximo seminário a apresentação de indicadores no combate ao trabalho escravo. “É importante a gente construir esse diálogo de quem está na fiscalização e com quem está no pós-resgate”, pontuou.

O coordenador da Rede Peteca ressaltou a importância de se propor uma política de prevenção da reincidência, para que o trabalho análogo à escravidão não volte a acontecer, e de relembrar os casos que deram certo. “É bom jogar luz sobre esses casos que deram certo para que outros venham, porque a gente precisa melhorar os indicadores do pós-resgate em termos de transformação da vida das pessoas. Não é uma política pública que vai dar conta disso, mas um conjunto delas”, opinou.

Para finalizar o debate, Antonio Lima falou sobre a relevância da troca de experiências, a qual direciona, consequentemente, a uma nova forma de se agregar saberes e melhorar as práticas a partir de reflexões.

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