Em meio à pandemia, elas costuram o próprio destino

Com recursos destinados pelo MPT-CE, confecção de máscaras garante ocupação para costureiras e fortalece economia em comunidades vulneráveis de Fortaleza

A relação de Walnice com as linhas e agulhas começou ainda na adolescência. Aos 15 anos, aprendeu com a mãe, costureira, os primeiros passos da arte do tear. Hoje, aos 54, Walnice é uma das envolvidas na produção de cerca de 4 mil máscaras para prevenção ao COVID-19, a serem distribuídas para habitantes de comunidades vulneráveis na periferia da capital cearense. A destinação de recursos pelo Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE) garantiu a compra da matéria-prima. A fabricação foi possível graças à parceria com a cooperativa FavelAfro e a Fundação Marcos de Bruin, localizadas na comunidade do Lagamar.

Walnice de Souza, 54, trabalha na FMB há quase duas décadas. Foto: Rodrigo Paulino/ FavelAfro
Walnice de Souza, 54, trabalha na FMB há quase duas décadas. Foto: Rodrigo Paulino/ FavelAfro

No Ceará, onde a família de dona Walnice vive, cerca de 26 mil postos de trabalhos formais foram fechados durante a pandemia da COVID-19, somente entre janeiro e abril deste ano. O desemprego se fez presente também na família da costureira. "Na minha casa, minha sobrinha, mãe de família e separada, ficou sem emprego. Então fiquei feliz porque é uma ajuda para nós. Também estou me sentindo útil, porque sei que essas máscaras vão ser doadas para pessoas carentes", conta a costureira, que desde 2001 trabalha também com serviços gerais na Fundação Marcos de Bruin (FMB).

A confecção das máscaras também passa pelas mãos ágeis de Raimunda Oliveira, de 71 anos. Habitante do Lagamar há mais de quatro décadas, dona Raimunda ressalta o valor do projeto para si e para o bem-estar da comunidade. "Eu faço parte desse projeto com muito prazer. Sei que eu tô fazendo bem pra comunidade. Tô fazendo essas máscaras que vão ajudar muita gente que precisa, para evitar essa doença que tem por aí. Muita gente que não tá ligando, mas a gente sabe que existe a doença. E quanto mais a gente fizer por onde ajudar, melhor", comemora.

Dona Raimunda, de 71 anos, é uma das envolvidas na produção das máscaras. Foto: Divulgação/FavelAfro
Dona Raimunda, de 71 anos, é uma das envolvidas na produção das máscaras. Foto: Divulgação/FavelAfro

Autonomia e cooperação

O projeto desenvolvido na comunidade Lagamar foi inspirado em uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP), em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em abril deste ano, as duas instituições promoveram a campanha "Eu abraço esta causa: eu uso máscara!", concebida para estimular a economia de públicos historicamente vulneráveis por meio da fabricação de máscaras a serem distribuídas em instituições de apoio a pessoas trans, idosos, imigrantes e refugiados.

A campanha não passou despercebida por Adriana Gerônimo, presidente da Fundação Marcos de Bruin (FMB), que reconheceu na experiência paulista uma oportunidade de replicação em solo cearense. Através da ponte entre o MPT-SP e MPT-CE foi possível implementar a proposta e iniciar a confecção das máscaras. "Nós nunca tínhamos tido uma parceria com MPT e veio no momento certo. Pessoalmente me sinto muito lisonjeada, muito honrada de fazer essa interlocução e coordenar esse projeto", conta Adriana.

O corte e a costura das máscaras não se limitam apenas a um instrumento na luta contra a Covid-19, mas traz benefícios em diversas frentes. A escolha em levar a produção para a comunidade, por exemplo, contribui para o fortalecimento da economia no Lagamar, incentiva a valorização da produção local e assegura que os recursos empreendidos para a realização do projeto circulem e permaneçam dentro da comunidade.

É também por meio desse projeto que mulheres responsáveis pela confecção podem garantir mão-de-obra remunerada em um momento em que até alimentação está ameaçada. A iniciativa oferece caminhos para o objetivo que desde o início norteou a parceira FMB e Favelafro: potencializar a autonomia financeira de mulheres chefes de família, enquanto favorece um ambiente empoderador e de emancipação para as trabalhadoras. Adriana Gêronimo aponta que fortalecer essas mulheres é promover um trabalho de redução de danos. "Ganha todo mundo ganha a cidade através do fortalecimento do MPT e isso espelha na organização local. Também no fortalecimento das comunidades que estão sofrendo com as diversas vulnerabilidades", afirma.

Destinações

Em todo país, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já destinou mais de R$ 245 milhões a ações de combate à Covid-19, segundo último levantamento divulgado nesta segunda-feira (22). Garantidos por decisões da Justiça do Trabalho ou por acordos extrajudiciais (Termos de Ajustamento de Conduta – TACs), os recursos vêm sendo repassados a hospitais, associações de saúde, universidades, entes da federação, entre outros, para a execução de ações de enfrentamento ao coronavírus.

Em maio deste ano, a Santa Casa de Misericórdia de Sobral, na região norte do Ceará, também foi beneficiada pelas destinações de recursos realizadas pelo MPT-CE. Na ocasião, a doação de 16,5 mil reais foi utilizada para a aquisição de três bombas de infusão, equipamentos que dosam a quantidade exata dos medicamentos administrados aos pacientes da unidade de saúde.

 

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